Diz-se que há duas coisas a que ninguém foge: à morte e aos
impostos. Mas a sabedoria popular está desactualizada—a fuga aos impostos é um
inestimável bem cultural adquirido, deixando a morte isolada no rol das inevitabilidades
da vida.
Vem a conversa a propósito dum texto que li hoje sobre se
há alguma coisa de que possamos estar absolutamente certos. Naturalmente, a
morte lá aparece, embora sem a força que se esperaria. Desde logo porque o que
chamamos morte é para muitos apenas a passagem duma fronteira para nova forma
de ser. E também porque a evolução biológica nos tem trazido muitas surpresas
nas formas da vida e a imortalidade neste mundo não será maior escândalo que a
evolução do ser unicelular procariota até ao homem que usa a linguagem falada e
escrita, compõe o Bolero de Ravel e a 9ª Sinfonia, mergulha sem ter guelras, voa
sem ter asas, escreve "Os Lusíadas", vai ao espaço e fabrica bombas atómicas.
Chegados a este ponto, pergunta-se de que outras coisas
podemos estar certos. Do passado? Como já falámos, o passado, por definição,
não existe—faz parte da sua natureza ter acabado. Existe apenas na nossa mente,
arquivo menos fiável que apontamento escrito na areia em dia de vento.
E o presente, existe? Recorde-se que presente é apenas transição
do passado para o futuro, linha imaginária, fim e princípio do caminho, é pau, é
pedra, um resto de toco. Mesmo dando-lhe o benefício da existência, o presente
é um conjunto de percepções fabricadas pelo nosso encéfalo, a partir de
dados colhidos pelos sentidos na chamada realidade e que, em boa verdade,
não sabemos a que correspondem. A Teoria das Cordas, por exemplo, fala em 11 dimensões quando
nós só vemos 3. Provavelmente, acontece o mesmo com outros dados
apreciados pelos nossos sentidos e haverá dados da realidade—se é que esta
existe e não é apenas ilusão—para que não temos receptores.
Descartes, porque pensava, tinha a certeza que existia,
mas não tinha mais certezas sobre o resto de mundo, se é que este existe.
Pensando bem, acho que é a única certeza que podemos ter—muito mais que a da
morte e infinitamente mais que a dos impostos, mesmo com este Governo.
Enquanto pensamos, temos a certeza que existimos—nós, não
o resto do universo. Quando não pensamos, não existimos e, muito menos, o
universo. O resto é parlapiê.
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