Li há pouco tempo uma peça jornalística em que se discutia se há temas sobre que não se possa fazer humor; peça talvez sugerida pelos recentes acontecimentos ligados ao Charlie Hebdo.
São vários os pontos de vista analisados, todos respeitáveis, mas muitos completamente bacocos, desde logo porque há humor e humor—o estafado, ligado por exemplo à aptidão das mulheres para conduzir automóveis; o ofensivo para convicções, fés e crenças dignas de serem respeitadas; o cruel quando envolve gente perseguida, diminuída, atormentada, torturada e por aí fora, mas em boa verdade, mesmo nessas circunstâncias a aceitação ética do humor depende da forma, ou seja, há maneiras eventualmente aceitáveis de o fazer, às vezes até felizes e louváveis.
Lembrei-me disto ao ler ontem a crónica do Padre Anselmo Borges no "Diário de Notícias", onde descreve o cartoon dum jornal australiano. Jesus segura o Alcorão e diz a Maomé: "Já te disse que isto precisa duma continuação". Maomé, que segura um jornal declarando em letras garrafais "O mundo em guerra", atira a Jesus: "Por caridade! Não posso voltar agora na forma humana para fazer isso! Seria crucificado!"
No caso, é a inteligência do episódio que lhe dá direito à aceitação. Um dos males do nosso tempo, o dos maometanos que vão além de Maomé, mais que Passos Coelho foi além da troika, é posto aqui de forma inteligente, dando a imagem de um Maomé razoável e pondo o ónus do inaceitável na praxis de alguns maometanos. A agressão vai para eles, não para a religião.
É o contraste flagrante com essa alarvice—não tem outro nome—do Charlie Hebdo, feito por gente com subtileza de sarjeta (pedindo desculpa às sarjetas) que invoca a liberdade de expressão para reivindicar o direito ao insulto e ao emporcalhamento duma maneira que não esconde recalcamentos e primarismo. Os "charlies" não mereceram a morte porque ninguém merece a morte.
MAS EU NÃO SOU CHARLIE!
MAS EU NÃO SOU CHARLIE!
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