A marquesa de Távora, D. Leonor, justiçada no patibulo em 1759, foi a mais formosa fidalga das cortes de D. João V e D. José I.
Morreu aos cinquenta e nove anos. Subiu intrépida ao cadafalso. Parecia inflexivel ao espectáculo do cutelo. Nem uma lágrima, nem um gemido suplicante! Mas o meirinho das cadeias e três algozes tinham ordem de lhe arrancarem o pranto em um mais doloroso suplício, que não constava da sentença.
Começaram, pois, mostrando-lhe, um a um, os instrumentos das execuções, que se haviam de fazer no marido, nos filhos e parentes: as aspas, em que deviam ser amarrados, as macetas de ferro com que haviam de ser-lhes quebrados os ossos dos braços e pernas, as cordas destinadas ao garrote, e a olandilha com que os desmembrados cadáveres seriam tapados até se acenderem as fogueiras.
A marquesa então chorou.
Quando o algoz lhe desvelou o colo para a degolar, D. Leonor, com gentil pejo, murmurou: «Não me descomponhas.»
Testemunhas d'este transe deixaram à escrita e à tradição oral que a marquesa era ainda majestosa no garbo, na altivez, nas relíquias admiráveis da beleza, raro permanecente em anos tão adiantados.
Quando tinha cinquenta, acompanhou à India o Vice-Rei seu marido.
A familia real foi despedi-los até à praia, ali mesmo àquela praia de Belém, onde, nove anos depois, se passou a horrenda carnagem.
Foi em uma graciosa manhã da Primavera de 1750, aos 28 de Março.
D'entre os milhares de concorrentes à praia, por onde a heróica marquesa demandava o bergantim da sua nau, saiu um poeta dos melhores entre os péssimos d'aquele tempo, ajoelhou diante da Vice-Rainha, e depositou-lhe na mão, que o levantava da postura humilde, um rolo de papel atado por laçaria de seda variegada.
A marquesa desenrolou, leu as primeiras linhas, sorriu-se amoravelmente, e disse:
—Não lhe perdoo a lisonja. Esqueceu-se que tenho cinquenta anos?
—A natureza é que se esqueceu de V. Ex.ª depois que lhe aperfeiçoou os vinte e cinco anos—respondeu o galã.
Morreu aos cinquenta e nove anos. Subiu intrépida ao cadafalso. Parecia inflexivel ao espectáculo do cutelo. Nem uma lágrima, nem um gemido suplicante! Mas o meirinho das cadeias e três algozes tinham ordem de lhe arrancarem o pranto em um mais doloroso suplício, que não constava da sentença.
Começaram, pois, mostrando-lhe, um a um, os instrumentos das execuções, que se haviam de fazer no marido, nos filhos e parentes: as aspas, em que deviam ser amarrados, as macetas de ferro com que haviam de ser-lhes quebrados os ossos dos braços e pernas, as cordas destinadas ao garrote, e a olandilha com que os desmembrados cadáveres seriam tapados até se acenderem as fogueiras.
A marquesa então chorou.
Quando o algoz lhe desvelou o colo para a degolar, D. Leonor, com gentil pejo, murmurou: «Não me descomponhas.»
Testemunhas d'este transe deixaram à escrita e à tradição oral que a marquesa era ainda majestosa no garbo, na altivez, nas relíquias admiráveis da beleza, raro permanecente em anos tão adiantados.
Quando tinha cinquenta, acompanhou à India o Vice-Rei seu marido.
A familia real foi despedi-los até à praia, ali mesmo àquela praia de Belém, onde, nove anos depois, se passou a horrenda carnagem.
Foi em uma graciosa manhã da Primavera de 1750, aos 28 de Março.
D'entre os milhares de concorrentes à praia, por onde a heróica marquesa demandava o bergantim da sua nau, saiu um poeta dos melhores entre os péssimos d'aquele tempo, ajoelhou diante da Vice-Rainha, e depositou-lhe na mão, que o levantava da postura humilde, um rolo de papel atado por laçaria de seda variegada.
A marquesa desenrolou, leu as primeiras linhas, sorriu-se amoravelmente, e disse:
—Não lhe perdoo a lisonja. Esqueceu-se que tenho cinquenta anos?
—A natureza é que se esqueceu de V. Ex.ª depois que lhe aperfeiçoou os vinte e cinco anos—respondeu o galã.
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Começava assim a poesia:
Começava assim a poesia:
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Vai, ó formosa heroína!
Vai, ó formosa heroína!
do mar essas ondas sulca;
que, se és Venus na beleza,
Venus nasceu das espumas.
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.Camilo Castelo Branco in "Noites de Insónia"
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