domingo, 20 de janeiro de 2013

'O DOLICOCÉFALO' E A TEORIA ANTRÓPICA

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O filósofo canadiano John Leslie inventou uma cena que vou contar e já explico porquê. Um homem é condenado à morte por actos de traição à pátria. Em frente do pelotão de execução, com 20 homens armados de carabina, ouve a ordem de fogo, ouve os tiros e não se passa nada—continua vivo. Os tiros não acertaram. De acordo com a lei, quando tal acontece, o condenado é libertado. A pergunta é, porque aconteceu tão estranha ocorrência? Talvez porque os soldados que dispararam estivessem convictos da sua inocência; ou fossem péssimos atiradores; ou o armeiro tenha regulado mal as miras das espingardas; ou porque há uma probabilidade em dez mil de acontecer e aconteceu com ele; ou blá, blá, blá. Há milhares de possibilidades e uma delas é a de que algum poder sobre-humano interveio para o poupar. Sim? Não? A interpretação é subjectiva, mas dá que pensar uma vida inteira porque não há duas ou três vidas.
Falo nisto porque o astrónomo real Martin Rees escreveu recentemente um livro intitulado "Just Six Numbers", em que fala de seis dimensões físicas sem as quais o universo actual não existiria tal como é e não poderia suportar vida, como acontece na Terra. Não entrarei nos detalhes, mas são os números do título o valor da gravidade, as três dimensões, as forças nucleares e por aí fora. A respeito destas, por exemplo, a chamada força forte, que mantém a coesão entre os protões e os neutrões no núcleo dos átomos, é de 0,007. Se fosse 0.006, a "cola" no núcleo era mais fraca e seria impossível transformar o hidrogénio no isómero deutério, reacção indispensável para formar hélio. 
Se fosse 0.008, o hidrogénio ter-se-ia fundido precocemente e na quase totalidade em hélio e desaparecido. Consequentemente, o combustível das estrelas não funcionaria ou não existiria; não haveria formação de átomos mais pesados, como o oxigénio, o carbono, blá, blá, blá; e, em resumo, não haveria vida, muito menos a vida das personalidades extraordinárias que são os leitores deste blog e eu. O mesmo para os outros cinco números. Isto é, para nós existirmos, foi necessário afinar primorosamente as miras das espingardas.
A pergunta é, porque aconteceram as coisas assim? E a explicação é a mesma do condenado que escapou ao fuzilamento. Nem daqui a 5 mil milhões de anos, que é quando o Sol acaba e nós também, vamos perceber porquê. É chato, como diria o almirante Pinheiro de Azevedo, mas é assim.
A ideia de que tudo foi feito para permitir que  os leitores deste blog nascessem, chama-se teoria antrópica. E olhando para o blog, acho que a teoria está muito certa. Além disso, alimenta convicções religiosas, muito justamente. Embora as igrejas, em face dos avanços da ciência procurem manter algum afastamento, especialmente depois de Pio XII ter usado fora de contexto a teoria do Big-Bang como prova da existência de Deus, a teoria antrópica continua, subliminarmente, a alimentar a fé. Está na cara que é inevitável.
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