A acção divina, seja aplicada a montanhas, a marés, à
consciência dos homens, não se enquadra na moldura da ciência. Ao dizê-lo, a
ciência não está a negar essa acção—só não a compreende, porque cai
fora do que sabe.
A ciência verifica que os fenómenos materiais ocorrem por
causas identificadas que actuam por mecanismos próprios e meios conhecidos. Não
pode afirmar que seja sempre assim, mas tudo quanto conseguiu perceber até hoje
funciona dessa forma. Por isso, admite que o que ainda não percebe aconteça da
mesma maneira.
A acção divina não cabe neste paradigma. Porquê? Porque
não se conhece o seu mecanismo—existindo tal acção, e pode não existir sem que
isso signifique negação do ser inteligente criador, não se vislumbra o mecanismo. É burrice do homem? Talvez, mas o
homem não tem culpa de ser burro e está autorizado a pensar (um pouco de pensamento pra
pensar até se perder no infinito..., como
diria Vinicius).
A tempestade que rebenta
no mar e faz perder dez vidas, a queda do menino
em cima do monte de feno que lhe salva a vida, podem ser obras da acção divina? Podem, mas a ciência não entende como funcionam tais fenómenos; sobretudo
porque são excepções às regras que observa na investigação. Caem fora da lógica
do investigador. Usa Deus forças desconhecidas, transfere energia ignorada, modifica os circuitos eléctricos do nosso cérebro? É possível, mas não podemos
pedir à ciência que admita isso—vai de encontro ao seu método de trabalhar.
Claro que há coisas pouco claras. Por exemplo, sabemos como o instrumento musical produz o som, como
este se propaga no ar sob a forma de ondas longitudinais com comprimentos diferentes,
como percute o tímpano, como se gera o impulso eléctrico que atinge o córtex
cerebral, blá, blá, blá. Mas daí até perceber o efeito da música na actividade
psíquica, em contraste com o discurso de Vítor Gaspar, vai enorme distância. Contudo, cientificamente temos de admitir que será por mecanismos já conhecidos
noutros fenómenos.
Por isso, é mais fácil
aceitar que, havendo um ser inteligente criador, as coisas foram organizadas à
partida com regras imutáveis que a ciência conhece—ou vai conhecendo. Assim, quando
a pressão sobe de mais dentro da panela fechada, esta rebenta. Pronto. É a
vida, parafraseando Guterres. A acção divina no caso consistiu na aplicação duma lei termodinâmica criada no princípio do tempo.
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