Platão conta que Sócrates—o genuíno—discutia com um jovem
chamado Eutífron sobre a piedade e estavam de acordo em que esta era amada
pelos deuses. Mas Sócrates embaraçou o rapaz quando levantou a seguinte questão:
são as pias acções pias porque são amadas pelos deuses, ou são amadas pelos
deuses porque são pias?
Esta passagem, conhecida por dilema de Eutífron, entronca
noutra questão, mais geral. Para milhões de pessoas, actos são bons ou maus em
função da vontade de Deus, árbitro ético absoluto: é bom porque Deus gosta; é
mau porque Deus não gosta. É a teoria do comando divino. Face a tal posição,
pergunta-se se há padrão ético na ausência de Deus e aqui começa o problema
expresso no dilema de Eutífron.
Como sempre em Filosofia, há gente a eructar bitaites que
fazem carreira. Um tal Alfred Ayer declarou para a posteridade, em 1968, que
nenhuma moralidade é baseada em autoridade, mesmo sendo ela divina. Apesar de se
poder perguntar-lhe se a afirmação é baseada na autoridade dele, é capaz de ter
razão. Embora configurando a natureza de palpite, há alguma convicção que o
homem tem, instintivamente e em geral, um código de valorização da conduta.
Mas a conduta tem
duas vertentes: a que diz respeito à relação com o semelhante, contemplada, em
linhas gerais, na Declaração Universal dos Direitos do Homem; e a que respeita
ao foro íntimo do cidadão. A primeira não é polémica porque interessa à defesa
do interesse das unidades constituintes da sociedade e chega-se lá pela
inteligência. Mas a segunda é discutível porque pode envolver matéria que, na
ausência do referido comando divino, é de valorização relativa ou, como diria o
poeta Píndaro—que não tive o prazer de conhecer—o costume é rei de tudo. E o
costume é traiçoeiro, como já se verificou com a escravatura, a pena de morte e
por aí fora, para não falar de coisas como o aborto, a eutanásia, a
investigação das células estaminais, a adopção por casais homossexuais, blá,
blá, blá.
Muito complicado, diria o Conselheiro Acácio. E digo eu também!!!
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