Na mitologia grega,
a deusa Gaia e os seus nove filhos tentavam dominar não só a Terra, mas todo o universo.
No tempo moderno, mais precisamente nas últimas décadas, surgiu outra Gaia, capaz de influenciar o fitoplâncton,
as florestas, o ar que respiramos, eventualmente a temperatura do planeta. Essa
moderna Gaia somos nós, ou melhor, a
nossa espécie, a que devíamos chamar Homo omnis ou, sinteticamente, Homni. Entrámos em nova época geológica, o Antropoceno, ou Idade do Homem.
O nosso poder não resulta do somatório das aptidões
individuais. É fruto da organização colectiva que aumenta exponencialmente aquele somatório através da industrialização,
da expansão populacional, da globalização, da revolução na tecnologia das
comunicações, da alteração da biosfera, da agricultura. O Homni usa anualmente 18 terawatts de
energia e 9 mil milhões de metros cúbicos de água, cultiva 40% da terra arável
e explora uma pletora de outros recursos naturais.
Tal só é possível em qualquer comunidade biológica quando
existe uma rede de colaboração colectiva, fenómeno comum em pequenos grupos de
micróbios, animais e plantas. Certas amibas, por exemplo, quando o alimento
escasseia nos locais em que vivem sob a terra, lançam prolongamentos de múltiplos
indivíduos da espécie até à superfície que aí se domiciliam, morrem e dão lugar a
placas de celulose onde o resto da colónia se instala e aguarda a passagem de um
qualquer animal em que possa migrar para paragens mais ricas em alimento. As
primeiras são mártires em nome do bem colectivo da espécie. No fundo, partes da
colónia, constituídas por unidades independentes, comportam-se como órgão de
um corpo global.
Na sociedade humana há casos semelhantes, embora isso não
sejam a regra. Mas há um fenómeno equivalente que é a repartição do trabalho,
da função, da competência. O homem, agora Homni, tende a ser cada vez mais um corpo
único com múltiplos órgãos de diferentes competências sociais e profissionais.
Controla três quartos da água potável, modificou três quartos do solo não
coberto por gelo, modula a biodiversidade, alterou a composição química dos
oceanos e chegou ao ponto de encher o compartimento extraterrestre de lixo constituído por telescópios, satélites
e outra cangalhada espacial fora de uso.
Infelizmente, a competência colectiva, que tantos bens trouxe, sofreu alguns aleijões por força de alguma ignorância e
imprevidência e também do lado mau da humanidade. Precisamos de a pôr agora ao
serviço da cura do planeta. Caso contrário, a alternativa é assustadora. Pelo menos, assim parece.
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