quarta-feira, 2 de julho de 2014

'HOMO OMNIS' E ANTROPOCENO

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Na mitologia grega, a deusa Gaia e os seus nove filhos tentavam dominar não só a Terra, mas todo o universo. No tempo moderno, mais precisamente nas últimas décadas, surgiu outra Gaia, capaz de influenciar o fitoplâncton, as florestas, o ar que respiramos, eventualmente a temperatura do planeta. Essa  moderna Gaia somos nós, ou melhor, a nossa espécie, a que devíamos chamar Homo omnis ou, sinteticamente, Homni. Entrámos em nova época geológica, o Antropoceno, ou Idade do Homem.
O nosso poder não resulta do somatório das aptidões individuais. É fruto da organização colectiva que aumenta exponencialmente  aquele somatório através da industrialização, da expansão populacional, da globalização, da revolução na tecnologia das comunicações, da alteração da biosfera, da agricultura.  O Homni usa anualmente 18 terawatts de energia e 9 mil milhões de metros cúbicos de água, cultiva 40% da terra arável e explora uma pletora de outros recursos naturais.
Tal só é possível em qualquer comunidade biológica quando existe uma rede de colaboração colectiva, fenómeno comum em pequenos grupos de micróbios, animais e plantas. Certas amibas, por exemplo, quando o alimento escasseia nos locais em que vivem sob a terra, lançam prolongamentos de múltiplos indivíduos da espécie até à superfície que aí se domiciliam, morrem e dão lugar a placas de celulose onde o resto da colónia se instala e aguarda a passagem de um qualquer animal em que possa migrar para paragens mais ricas em alimento. As primeiras são mártires em nome do bem colectivo da espécie. No fundo, partes da colónia, constituídas por unidades independentes, comportam-se como órgão de um corpo global.
Na sociedade humana há casos semelhantes, embora isso não sejam a regra. Mas há um fenómeno equivalente que é a repartição do trabalho, da função, da competência. O homem, agora Homni, tende a ser cada vez mais um corpo único com múltiplos órgãos de diferentes competências sociais e profissionais. Controla três quartos da água potável, modificou três quartos do solo não coberto por gelo, modula a biodiversidade, alterou a composição química dos oceanos e chegou ao ponto de encher o compartimento extraterrestre de lixo constituído por telescópios, satélites e outra cangalhada espacial fora de uso.
Infelizmente, a competência colectiva, que tantos bens trouxe, sofreu alguns aleijões por força de alguma ignorância e imprevidência e também do lado mau da humanidade. Precisamos de a pôr agora ao serviço da cura do planeta. Caso contrário, a alternativa é assustadora. Pelo menos, assim parece.
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