sábado, 28 de maio de 2011

DEMOCRATAS OU JACOBINOS?

.
Já percebeu quem visita este diário que ler ou ouvir falar de “ética republicana” me deixa um nadinha irritado – porque é a insinuação de que há várias éticas, e há uma privativa da República. Qualquer que seja o ideal do cidadão, é tal prosápia inaceitável, especialmente quando bolsada por gente da estirpe que implantou o regime republicano em Portugal, seja Mário Soares, Manuel Alegre, Almeida Santos, ou outro dinossauro do género.
Vem isto a propósito da edição de selos dos CTT onde se lê, num deles: História das Liberdades. Em 1910 a notícia da implantação da República foi acolhida com manifestações de entusiasmo popular; e noutro, História das Liberdades. Na República Portuguesa cada um é senhor de conduzir o seu destino, o que merece ser festejado.
Acho isto manifestação de serôdio provincianismo, provocação gratuita e fora de tempo a quem não comunga a fé republicana, e exaltação da visão de que a liberdade só é possível com a República, o que muitas vezes não é verdade. Por isso saúdo a crónica de Maria Filomena Mónica no “Expresso” de hoje a respeito da matéria, onde se recordam coisas que também deviam figurar em edição de selos dos CTT.
Diz a cronista:

[...] «Durante a Monarquia, a República significou quatro coisas: "bacalhau a pataco", o derrube da "tirania", a expulsão da "reles canalha da batina" e o sufrágio universal. Era isso que a propaganda prometia. Depois, embora o rei tivesse desaparecido e os padres fossem humilhados, nem a alimentação ficou mais barata, nem os trabalhadores puderam votar em maior número, nem as liberdades aumentaram. Dois meses após a queda do regime monárquico, quando ingenuamente os operários começaram a reivindicar uma vida melhor, a República promulgou uma lei restritiva das greves, que passou à História como o "decreto-burla".
A mudança tão pouco favoreceu a participação política. Uma vez no poder, os republicanos perceberam que, se dessem o voto a todos os portugueses, seriam derrotados, uma vez que os camponeses jamais votariam neles. Daí a lei eleitoral de 1913, a qual, a pretexto de combater o "caciquismo", retirou o voto aos analfabetos, ou seja, à maioria da população. O número de recenseados desceu logo para metade: de 846.801 passou a 395.038, a proporção mais baixa desde 1860. À medida que a República mostrava a sua verdadeira face, o eleitorado de Lisboa desinteressava-se do voto. A abstenção que, em 1911, fora de 13%, subiu, em 1919, para 80%.
Há pior: a República começou a prender indivíduos sem os julgar. Em meados de 1912, existiam 2.382 presos políticos, muitos deles operários que haviam participado na greve geral de Janeiro desse ano». [...]
.
É de todo aceitável que quem tem convicções republicanas as manifeste e defenda. Mas deve fazê-lo de forma decente e desapaixonada, sem comportamento provocatório de quem tem o exclusivo da virtude, e sobretudo sem insinuações deselegantes a quem não é republicano. Acabe-se de vez, por favor, com as referências demagógicas - estilo cassette Zézito - à Monarquia, e reconheçam-se honestamente as pessegadas que os republicanos  têm feito, e continuam a fazer, nesta Pátria que já foi nossa, antes de ser República.

Sem comentários:

Enviar um comentário