sábado, 21 de maio de 2011

A GREVE DOS COCHEIROS

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Não sei se falei já do calor. Está terrífico. E o que o torna mais duro de atravessar é a greve dos cocheiros. Paris está sem tipóias – o que é, sobretudo neste momento, como o deserto sem camelos. Se nesta supercivilizada cidade o serviço dos ónibus ou dos bondes fosse fácil, exacto e rápido, a falta de carruagens não causaria desgostos – e seria mesmo uma salutar instigação à economia. Mas o ónibus e o bonde em Paris são instituições rudimentares. É mais fácil para um parisiense entrar no céu – do que num ónibus. Para obter o lugar na bem-aventurança basta, segundo afirmam todos os santos padres, ter caridade e humildade. Para obter o lugar no ónibus, estas duas grandes virtudes são inúteis – e mesmo contraproducentes. Antes o egoísmo e a violência. Depois de conquistado o lugar, a outra dificuldade insuperável é sair dele – por aquele meio natural e lógico que consiste em chegar e apear. Nunca se chega – senão quando já é desnecessário. Eu e um amigo partimos um dia da gare de Orleães, à mesma hora; eu no comboio para Portugal, ele no ónibus para o Arc de l’Étoile. Quando eu cheguei a Madrid soube, por um telegrama, que o meu amigo ia ainda na Praça da Concórdia. Mas ia bem. O ónibus em Paris é o grande refúgio e local do namoro. Quanto mais comprida a jornada, mais demorado portanto o encanto. O meu amigo encontrara no seu ónibus a criatura dos seus sonhos. Era uma loura com sardas prometedoras. Quando enfim chegaram ao Arco da Estrela estavam noivos ou pior. São estas pequenas comodidades da vida sentimental que conservam a freguesia aos ónibus.
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Eça de Queirós in "Ecos de Paris"
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