.
Há longos anos o Brasileiro (não o brasileiro brasílico, nascido no Brasil – mas o português que emigrou para o Brasil e que voltou rico do Brasil) é entre nós o tipo de caricatura mais francamente popular. Cada nação possui assim um tipo criado para o riso público. As comédias, os romances, os desenhos, as cançonetas espalham-no, popularizam-no, desenvolvem-no, aperfeiçoam-no, e ele torna-se o grotesco clássico – que chega a ser motivo de ornato industrial, cinzelado em castiçais, aguarelado em caixas de fósforos, torneado em castões de bengala. A França tem o inglês de coco diminuto na nuca, de larga e aguda suíça em forma de costeleta alourada, dentuça taluda, colarinho alto como um muro de quintal, rabona de xadrezinho, pé largo como uma esplanada, e ar lorpa: ultimamente tem a mais o prussiano, de imenso bigode na focinheira, cabelo em bandós, capacete em bico, um sabre prodigiosamente insolente e um relógio de sala roubado debaixo do braço!
Nós temos o Brasileiro: grosso, trigueiro com tons de chocolate, pança ricaça, joanetes nos pés, colete e grilhão de oiro, chapéu sobre a nuca, guarda-sol verde, a vozinha adocicada, olho desconfiado, e um vício secreto. É o brasileiro: ele é o pai achinelado e ciumento dos romances românticos: o gordalhufo amoroso das comédias salgadas: o figurão barrigudo e bestial dos desenhos facetos: o mandão de tamancos, sempre traído, de toda a boa anedota.
Nenhuma qualidade forte ou fina se supõe no brasileiro: não se lhe imagina inteligência, como não se imaginam negros com cabelos louros; não se lhe concede coragem, e ele é, na tradição popular, como aquelas abóboras de Agosto que sofreram todas as soalheiras da eira: não se lhe admite distinção, e ele permanece, na persuasão pública, o eterno tosco da Rua do Ouvidor.
O Povo supõe-no o autor de todos os ditos celebremente sandeus, o herói de todas as histórias universalmente risíveis, o senhor de todos os prédios grotescamente sarapintados, o frequentador de todos os hotéis sujamente lúgubres, o namorado de todas as mulheres gordalhufamente ridículas.
Tudo o que se respeita no homem é escarnecido aqui no brasileiro. O trabalho, tão santamente justo, lembra nele, com riso, a venda da mandioca numa baiuca de Pernambuco; o dinheiro, tão humildemente servido, recorda nele, com gargalhadas, os botões de brilhantes nos coletes de pano amarelo; a pobreza, tão justamente respeitada, nele é quase cómica e faz lembrar os tamancos com que embarcou a bordo do patacho Constância, e os fardos de café que carregou para as bandas de Tijuca; o amor, tão teimosamente idealizado, nele faz rir, e recorda a sua espessa pessoa, de joelhos, dizendo com uma ternura babosa – oh minina!
De facto, o pobre brasileiro, o rico torna-viagem, é hoje, para nós, o grande fornecedor do nosso riso.
...Eça de Queirós in "Uma Campanha Alegre"
.
Sem comentários:
Enviar um comentário