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Foram-se os deuses, depois os heróis, por último parece que também vão acabando os homens...
Os homens antigos, entenda-se, os homens de rija têmpera, fortes, destros, gentis, bem educados.
Bem educados, sobretudo, que também isso faz muito ao caso para a disciplina social, para a harmonia das classes, para a ordem que não pode deixar de ser a base do respeito que as diversas categorias se devem umas às outras.
Os homens que viram nascer a liberdade, que a sonharam e implantaram, e que tinham por ela esse culto dedicado que se conserva por uma criança que educamos a nosso jeito...
O que aí vai ficando já não são homens medidos pelo estalão que outrora marcava a estatura moral. Como na Grécia antiga, foram-se os Milcíades, os Temistocles, talvez os Péricles. Não tardará o tempo em que se levantem trezentas e sessenta estátuas a Demétrio Falério, quero dizer, aos heróis da decadência. Se não há melhor!
Generais ilustres, oradores proeminentes, sábios conspícuos, tudo isso tem desaparecido a pouco e pouco. Até vai desaparecendo também um tipo que parecia fundido de uma costela de cavaleiro e de outra costela de trovador: fundido dos restos meio heróicos e meio galantes da idade-média. Era o gentleman, que sabia montar a cavalo, bater-se em duelo, falar às damas, dançar uma valsa, entrar num salão. Era o gentleman, que punha o chapéu na cabeça diante de um insolente, e que o tirava quando à portinhola de uma carruagem cumprimentava uma senhora. Era o gentleman, que não parecia ridículo quando vestia uma calça de ganga e calçava umas luvas cor de açafrão. Era o gentleman... Morreu outro dia um; desconfio que foi o último...
Chamava-se Hugo Owen, barão da Torre de Pêro Palha.
Não fez discursos, não fez leis, não escreveu livros, não compôs óperas, mas conquistou o direito a ser conhecido e estimado dos seus contemporâneos.
Porquê? Porque foi um gentleman. Eis tudo... [...]
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Alberto Pimentel in “Manhãs de Cascais” (1893)
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