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[...] Não me canso
de admitir algo de admirável no Partido Socialista: a rigorosa e absoluta falta
de vergonha. Em seis miraculosos anos, o PS conseguiu duplicar a tendência para
o desastre lentamente acumulada nas décadas anteriores e enfiar a pátria amada
na bancarrota e na dependência de esmolas caríssimas. Em circunstâncias ideais,
a derrota eleitoral de 2011 teria lançado os autores da façanha para um
justificado limbo ou, no que respeita aos principais responsáveis, para a
cadeia. Em Portugal, quase (quase) todos andam aí, a instruir os incréus sobre
a arte de bem governar e a recriminar, com voz pungida, a má governação.
Esta semana, o
descaramento maior coube a Carlos Zorrinho, o qual, a propósito dos pífios
"cortes" nas fundações, lamentou com total precisão e nenhuma
legitimidade: "Quando é para aumentar os sacrifícios aos portugueses, é
sempre mais do que aquilo que esperamos; quando é para cortar despesa, é sempre
menos do que aquilo que esperamos." Brincadeira? Parece. Mas não é. É
apenas o PS a confiar na amnésia terminal do eleitorado.
Em matéria de
amnésia, nem vale a pena notar o impulso do PS a incontáveis fundações.
Sobretudo, importa descontar a facilidade com que o PS alterna as exigências de
"investimento" público com a mágoa de que a despesa pública não seja
devidamente reduzida. O primeiro sermão tem a atenuante da coerência face ao
modus operandi que nos deixou na penúria. No segundo, trata-se de puro
desplante. E se apetecer ao cidadão médio comparar o caso ao do gatuno que
condena as escassas medidas de segurança depois de esvaziar o banco, a
comparação é redundante: é literalmente isso o que se passa.
O pior é que, se
calhar, o cidadão médio prefere o encanto do logro a uma dose de realidade e
não está para aí virado. Se calhar, a acreditar nas sondagens recentes, uma
quantidade suficiente de pessoas esqueceu-se de facto de quem as colocou nos
limites da indigência. Se calhar, os drs. Zorrinhos deste mundo sabem o que
fazem e o que dizem. Se calhar, o PS merece o país, e o país merece o PS.
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Alberto Gonçalves in "Diário de Notícias"
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