quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

VAMOS FALAR CLARO


Manuel Maria Carrilho escreve hoje no "Diário deNotícias" uma crónica intitulada "Mutantes" cujo nome é infeliz porque o conteúdo não tem nada a ver com o conceito biológico de mutação. Começa Carrilho por perguntar:

Seremos nós, hoje, seres mutantes? Será que as transformações tecnológicas e culturais das últimas décadas nas sociedades desenvolvidas são mudanças que apenas alteram, embora às vezes muito substancialmente, as características, as rotinas e as expectativas do ser humanos?

E acrescenta pouco depois:

Eu aposto na via da mutação. Faço-o não por uma qualquer simpatia com a perspetiva da rutura, mas porque me parece que se multiplicam os fatores de diferenciação e, sobretudo, de não-retorno, que apontam nesse sentido.

E dá exemplos, de que destaco:

Vive-se hoje quase mais um terço do que se vivia há um século. Mas este dado objetivo, por si só absolutamente notável, trouxe com ele mudanças subjetivas tão inéditas como extraordinárias em termos de modo e de qualidade de vida.
Quase desapareceram os elementos que faziam parte da experiência central e imemorial da humanidade, como a dor, a febre ou o sofrimento, que deram lugar a um corpo que é vivido como uma garantia de bem estar, que torna normal pensar alcançar a felicidade na terra, sem ter de se esperar pela "outra" vida.
Viver muito, e bem, foi uma transformação que mudou radicalmente a relação do indivíduo contemporâneo com o seu próprio corpo, que passou a ser vivida de um modo mais positivo, nomeadamente valorizando sem complexos todo o domínio dos sentimentos e das emoções.

Nada do que Carrilho menciona corresponde a alteração estrutural significativa do Homo sapiens do Século XXI. Trata-se, tão somente, de alterações comportamentais condicionadas pelo meio, através do progresso tecnológico da Medicina, do avanço da organização social, da total modificação dos meios de comunicação e por aí fora. Não há características humanas novas que não possam ser explicadas pelo contexto social.
Se Carrilho chama mutante a esse homem novo, escolheu mal o termo, porque não é. Não resulta de selecção natural de estirpes sob pressão do meio, mesmo se aceitarmos o conceito de Lamarck da alteração do  genotipo por influência desse meio. A selecção humana darwiniana  leva muitos séculos, ou milénios. 
É preciso cuidado com a terminologia para não estabelecer a confusão. Carrilho sabe isso. Ou devia saber.
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