Não sou monárquico,
mas dado o gabarito dos nossos republicanos praticamente não sobra alternativa.
Mário Soares, um dos mais notáveis representantes da espécie, decidiu avisar o
Governo que, se não se demitir "a bem" (cito), sairá "a mal, com
o povo indignado, como sucedeu no fim da monarquia".
Nem mais. É do
conhecimento geral que a república não foi um motim concebido por umas dúzias
de rústicos do Rossio. E que a população se levantou em peso para festejar o
advento da democracia autêntica. E que o partido dominante do novo regime se
perpetuou quase ininterruptamente no poder sem a ajuda de fraudes. E que a
liberdade de expressão, a tolerância e o progresso constituíram os pontos
fortes dos senhores que tomaram conta disto. E que a estabilidade política e
social então iniciada influenciou um século de prosperidade de que ainda
beneficiamos.
Agora a sério, é
rara a semana em que o dr. Soares não se esforce por provar que a sabedoria da
idade é uma força de expressão e, com frequência, uma completa patranha. Nesta
e noutras questões, a pergunta que se impõe é: o dr. Soares pretende enganar
quem? E a resposta é: descontados três ou quatro fervorosos da Carbonária,
provavelmente apenas a si próprio. Por mim, gosto que a imprensa corra a
ouvi-lo a pretexto de diversos assuntos, e só lamento que não o faça a pretexto
de todos.
Julgo ser
consensual a expectativa em ouvir a opinião abalizada do dr. Soares acerca de:
receitas de sushi, campeonatos da bola, o bosão de Higgs, a sucessão de
Ratzinger, aromoterapia, energia nuclear, séries do canal HBO, candeeiros do
Ikea, o novo álbum de John Grant, depressão pós-parto, técnicas de betonagem e
literatura russa. Em tempos de crise, duvido que rir seja exactamente o melhor
remédio. Porém, é um óptimo paliativo.
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Alberto Gonçalves in "Diário de Notícias
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