Uma das ideias
mais inquietantes da Filosofia é a do "cérebro numa tina"; e passo a
explicar tal coisa para quem não sabe. Suponhamos que é possível tirar o
cérebro a um homem—ou uma mulher; a ordem não interessa—e colocá-lo numa tina
com condições de nutrição para se manter vivo, como se estivesse implantado no
crânio. E admitamos que as conexões nervosas são estabelecidas com um
supercomputador capaz de enviar impulsos eléctricos semelhantes aos gerados
pelos neurónios, dando ao cérebro em causa a ilusão de que se mantém no corpo
do cidadão a quem foi retirado e que acompanha a vida deste. Ficamos em
presença dum ser virtual que se sente falsamente real sem perceber que o não é.
Não tem olhos, mas tem visão e acredita que os tem; não tem mãos, mas usa-as e
pode sentir a dor dum traumatismo virtual; conduz o automóvel e até tem
desastres; blá, blá, blá.
É caricata a situação? É inverosímil? É estúpida? É tudo isso,
mas o problema é que não temos nenhuma garantia de que não somos todos, de
facto, "cérebros numa tina". Isto é, a consciência que temos do
universo, incluindo o tacanho espaço onde vivemos, chega aos nossos cérebros a
partir de impulsos gerados nos órgãos dos sentidos, não tendo nós a mais
pequena ideia se aquilo que vemos, ouvimos, cheiramos, palpamos, degustamos tem
alguma coisa a ver com a realidade. E todo o nosso pensamento se desenvolve a
partir desses dados e estará tanto errado quanto errados eles estiverem.
Não é necessário muito esforço para entender isto, pois
há coisas que sabemos e são meio caminho andado para a compreensão. Há animais
que só vêem algumas cores, outros ouvem sons que nós não ouvimos, há os que só
tomam contacto com o meio através de estímulos eléctricos, como acontece com alguns peixes, e por aí fora. Naturalmente, o universo deles
é diferente do nosso. Mesmo o gato lá de casa, que vê a cozinha de 10 ou 20 cm
de altura acima do chão, tem "uma ideia" dela completamente diferente
de si, para usar um exemplo muito simples.
Imagine agora que não existe cozinha nenhuma e toda
aquela cangalhada do fogão, das panelas, do balde do lixo e por aí fora não é
nada assim e está a ser enganado pela natureza e pelos seus sentidos. Imaginava que pode ser um "cérebro numa tina"? É
preocupante, não? Pois fique sabendo que muito provavelmente, é assim mesmo. Em
1641, Descartes escreveu o seguinte sobre a dúvida metódica:
Admito que um
demónio poderoso e enganador usou toda a energia e saber para me enganar. Penso
que o céu, o ar, a terra, as cores, as formas, os sons e todas as coisas
exteriores são meras ilusões de sonhos que ele arquitectou para deturpar o meu
julgamento.
Em 1641!...
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