domingo, 19 de maio de 2013

UMA HISTÓRIA DE PROTÕES E JOANETES


Enrico Fermi disse um dia que não devemos subestimar o prazer de ouvir uma coisa que já sabíamos. É um pensamento simples e estimulante, sobretudo vindo de um homem com o saber de Fermi. Falo nisto porque li hoje, num livro de Steven Weinberg, que a ciência moderna tem tiques de snobismo—os físicos preferem estudar a colisão de protões a 20 biliões de volts do que estudar o fenómeno a 20 volts, tal como os investigadores médicos estão mais interessados em genes que em joanetes.
Ao ler isto quase caio da cadeira com a excitação, pela razão de que Fermi falava. Nunca fui investigador—embora tivesse dado algumas marteladas na actividade—mas assisti a muita investigação médica e à apresentações do trabalho de grandes investigadores internacionais; e sempre me surpreendeu a pouca atenção que merecem problemas médicos de meia tigela, que atormentam milhões de doentes, em benefício de coisas finas e aromáticas, como a terapêutica fotodinâmica na Dermatologia, usada para tratar tumores que se resolvem com a faca da cozinha.
É claro que a investigação de ponta é fundamental e é bom ser feita; mas não esgota o campo da actividade, onde cabe a dos problemas banais, realizável  em instituições com menos condições materiais. A ninguém lembra fazer uma tese de doutoramento sobre a popularmente chamada "unha encravada", embora se trate de tormentosa afecção mais que comum e de que era bom conhecer melhor os factores predisponentes e corrigíveis a tempo, tal como métodos de tratamento menos cruentos que a tosca cirurgia. Mas não é fino tal coisa, como as colisões de protões a 20 volts, ou os joanetes. A tese de doutoramento tem de envolver, pelo menos, joanetes acelerados a 10 biliões de volts.
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