Anselmo Borges, na sua habitual página dos sábados no
"Diário de Notícias", escreve hoje sobre ateísmo, agnosticismo e
teísmo. A peça é interessante, embora contenha coisas discutíveis, segundo me parece.
Logo a abrir, e muito bem, diz: "A modernidade tem como característica
fundamental a nova visão científica da realidade." Não posso estar mais de
acordo. A visão literal da Bíblia está completamente démodé e só sobrevive
em meios retrogradamente anacrónicos, sem ponta por onde se pegue. Por isso,
Borges cita o teólogo Javier Monserrat que advoga a convocação de um Concílio
para confrontar a fé com os novos dados trazidos pela ciência. Óptimo!
Mas o colunista
avança depois na análise da matéria, começando por dizer que "Para a
ciência actual, o universo todo, incluindo a consciência, produziu-se pelas
propriedades ontológicas e dinâmicas da matéria que foi produzida no Big Bang
com altíssima densidade e energia." Estou de acordo se retirarmos as "propriedades ontológicas da
matéria", que não são um dado adquirido e constituem parte das incógnitas
do problema em análise. O mesmo se diz para a afirmação de que o mundo nos
aparece ordenado finalisticamente, tratando-se de uma "ordem viva" e
"ordem antrópica". Quem disse ao autor que a ordem do universo é
antrópica? Como sabe que o homem não é um mero "acidente", resultado
de evolução biológica aleatória?
Quando se discutem
as três posições filosófico-religiosas em cima referidas—ateísmo,
agnosticismo e teísmo—e se admite que
todas são racionalmente aceitáveis, como justamente faz Anselmo Borges ao
afirmar que "Perante um mundo obscuro e enigmático, tanto o ateísmo como o
teísmo constituem uma "fé filosófica", uma "crença", não podemos
usar convicções de uma dessas "fés filosóficas" para a apoiar,
exactamente porque é uma fé, sem substracto científico sólido para tal.
Do mesmo modo,
insiste mais adiante: Este
universo é um "universo para a liberdade", a partir de um
"desígnio para a liberdade" e, portanto, do "princípio antrópico
cristão", embora não se imponha como inevitável a "solução
divina". Volta ao princípio antrópico!
Não posso alongar-me mais, mas o escrito representa
abertura bastante a novos pontos de vista religiosos. Ainda assim, continua inquinado por algumas "ideias feitas", de uma "fé filosófica" ou
"crença", de que importava ser depurado.
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