.
[...] Além disso a Índia exercia sobre os nossos uma lenta acção dissolvente. Não se tratava ali de uma colonização ordinária. Não se tratava de conquistar regiões incultas, ou florestas virgens, desapossando algumas pobres tribos selvagens, como tantas vezes se tem feito por esse mundo, com maior ou menor rudeza, desumanidade e injustiça. Na Índia o caso era diverso. Os europeus, e primeiro os portugueses, acharam-se em face de uma civilização completa. Civilização diversa da sua, inferior em muitos traços, superior em alguns. Esta civilização reagiu sobre eles. O contacto com o Oriente era perigoso. Aqueles tesouros fabulosos, acumulados no meio de populações que morriam à fome, ou viviam de um punhado de arroz; aquela opulência a um tempo bárbara e requintada; aquelas cortes em que se viam passar as bailadeiras provocantes, e se viam cair as cabeças, a um aceno do amo; aquela mistura de perfumes e de cheiro a sangue; aquela duplicidade cruel que provoca as represálias, e aquela covardia que as tolera, acordavam todas as ruins paixões dos dominadores. “Os nossos portugueses que soíam ser mais temperados que os lacónios, vivem cá mui viciosa e desordenadamente”, diz um escritor da época. Os portugueses saquearam a Índia; a Índia corrompeu-os. Ficaram pagos. [...]
Conde de Ficalho in “Garcia da Orta e o seu Tempo” (1886)
.
Sem comentários:
Enviar um comentário