sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O ABORTO

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O Escritório de Advogados Uria Menendez/Proença de Carvalho solicitou um parecer jurídico ao Professor Gomes Canotilho sobre o artigo 78.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2013). Trata-se do artigo que promove o "roubo" discriminatório feito aos pensionistas sob a forma de "Contribuição Extraordinária de Solidariedade", solidariedade essa—constata-se depois de ler a Lei—com a Caixa Geral de Aposentações e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, ou seja uma consignação de receitas fiscais, coisa mais que ilegal.
O parecer é um documento claro e extenso (31 páginas em PDF) que arrasa o referido aborto a que chamam Lei. Não posso transcrevê-lo todo, mas transcrevo a seguir  algumas passagens para dar ideia da inconstitucionalidade do monstro.

[...] O art. 104.º da Constituição da República determina que o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares seja único. Tal significa, desde logo, a inadmissibilidade de impostos especiais sobre o rendimento, bem como de “impostos classistas”, circunscritos a classes sócio-profissionais onde se insere cada sujeito passivo. Do mesmo modo, fica excluída a possibilidade de duplicação de impostos sobre o rendimento.
Basta convocar alguns preceitos constitucionais para verificar a desconformidade material do art. 78.º, dado que ele se traduz numa duplicação da tributação do rendimento das pessoas singulares para os reformados e pensionistas, implicando um agravamento fiscal selectivo em função de um “critério classista”, em frontal colisão com a exigência constitucional de unidade da tributação do rendimento das pessoas singulares (CRP, art. 104.º/1). [...]

[...] Mesmo que se aceite o argumento de que algumas pessoas não descontaram ao longo da vida o equivalente às elevadas reformas de que possam auferir, a CES atinge um universo mais vasto de pessoas do que o conjunto que possa estar nessa situação. Se o objectivo foi o de corrigir este tipo de situações, a medida em causa afigura-se claramente desmedida e desproporcional, estando longe de se limitar às pessoas cujos interesses poderiam legitimamente ser sacrificados. [...]

[...] Mas mesmo que o objectivo da CES fosse a correcção da existência de pensionistas que auferem pensões demasiado elevadas relativamente àquilo que descontaram ao longo da sua carreira contributiva, a mesma deveria limita-se, no seu âmbito de aplicação, ao correspondente universo de sujeitos, como acima se sublinhou. [...]

[...] Resulta do art. 78.º da LOE 2013 a dupla tributação dos rendimentos de pensões, em sede de IRS e em sede de imposto especial sobre o rendimento – a designada “contribuição especial de solidariedade” –, em violação da regra da unicidade consagrada no art. 104.º, n.º 1, da CRP. [...]

[...] Taxas efetivas de tributação da ordem de grandeza daquelas que impendem sobre os reformados e pensionistas, e para a qual contribui decisivamente a “contribuição especial de solidariedade” (art. 78, n.os 1 e 2 da LOE 2013), assumem um manifesto carácter confiscatório. [...]
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Não sou jurista mas, como já se disse a propósito da lei de limitação de mandatos autárquicos, não é preciso sê-lo para ver que o artigo 78.º da LOE é uma aberração—basta saber ler. Neste Governo, é tudo de carregar pela boca, está mais que visto. Apliquem a mesma lei a toda a gente, se querem calar os pensionistas. E mesmo assim, talvez não calem. Essa agora!...
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(Informação recebida de Gaspar Cirne de Castro. O jarreta da fotografia parece a minha pessoa. Podia ser, mas não é)
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