No meio da desgraça nacional, fruto de quase
quarenta anos de democracia avançada, ainda há gente com humor que sabe tirar
partido das circunstâncias. É o caso do professor Carlos Fiolhais que escreve
hoje um artigo no "Público" intitulado "O Estado sem
papel". Depois de considerações oportunas sobre a falta de papel
propriamente dito, não de papel no sentido monetário, conta que numa repartição
de Finanças onde foi tratar de assunto pessoal, depois de lhe pedirem o cartão
do cidadão, exigiram uma fotocópia do dito. Informado o funcionário de que a
podia fazer, foi por este respondido não ser tal possível porque não tinha
papel na repartição. Ofereceu-se então para ir a casa buscar uma folha A4, mas a solução não servia—devia
ir ao quiosque da esquina fazer a cópia. E acrescenta o físico: "Queriam
de mim um contributo, ainda que modesto, ao comércio local. Estava perante uma
parceria público-privada."
Conta ainda que recebeu do fisco um e-mail ameaçador por não ter
apresentado a declaração de IRS. E esclarece que não era por terem perdido o
papel, uma vez que a havia feito por via electrónica. Concluiu que tinham
perdido, isso sim, os bits. Sugeriu então que, através do Ministério dos
Negócios Estrangeiros, os pedissem à NSA americana que controla a circulação
electrónica mundial.
São pessoas assim que desfazem a credibilidade de algumas instituições e iniciativas para que não há pachorra.
Não com manifestações pré-formatadas, nem com discursos bacocos. O sarcasmo é a
arma dos inteligentes. As assembleias gerais, ou plenários caleidoscópicos, de aulas magnas são como os boomerangs—voltam-se contra quem os lança; frequentemente
carregados de ridículo.
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