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O
astrofísico Neil deGrasse Tyson disse há dias, no programa da TV americana Cosmos, que somos todos descendentes de
astrónomos. Parece uma boutade, mas não é tal. Tempos houve em que a
contemplação do céu era a televisão dos nossos antepassados, quando, na escuridão da noite, deixavam de
poder admirar montes, vales, rios, planícies e rebabá. A
contemplação do espaço celeste, com a luz das estrelas, dava para construir
lendas, crenças, mitos e um ror de coisas que ainda hoje estão chimpadas no
nome das constelações, como Ursa, Escorpião, Centauro, Pégaso e por aí fora.
Nesse tempo, o homem e os animais eram donos da noite.
Depois, veio Edison e a lâmpada eléctrica e a noite foi pelo cano. Mais de 60%
do mundo e 99% da Europa e dos Estados Unidos passaram a ter noites poluídas
por luzes artificiais amarelas. O homem deixou de ser dono da noite porque a noite
acabou, como o dono de um automóvel deixa de o ser quando lho roubam ou um prédio
ou uma bomba lhe cai em cima. Não
interessa, dir-se-á—assim é mais catita porque vemos onde pomos os pés, para
não falar da contemplação do programa do Zezito na TV. Olhe que não, olhe que
não...
O
problema não é o de termos deixado de ser astrónomos, como os nossos
antepassados, no dizer de Neil deGrasse Tyson. Esse é o aspecto poético,
aliás também bastante importante. A espiga é que há funções no organismo que são
regidas pela alternância da luz e da escuridão, em ritmos chamados circadianos,
que começam a ser seriamente afectadas. É o caso da secreção da melotonina, de
várias hormonas, nomeadamente o cortisol, de compostos interventores na defesa
contra cancros vários e por essa estrada fora. Além de não podermos inspirar-nos
a contemplar os Peixes, a Fénix, a Lira, o Cão Maior, e o Menor também, estamos
em maior risco de contrair uma neoplasia da mama, da próstata, do estômago e sabe-se
lá mais onde.
A noite não é meramente a ausência da luz do Sol—cabe-lhe
papel activo nas nossas vidas. Como diz A. Roger Ekirch, da Universidade de
Virginia, mais do que falar no "cair da noite", devíamos dizer no
"nascer da noite"—não é líquido que devamos mais ao dia que à noite. Como se pode ser saudável, se se consegue ler o jornal na cama, às três horas da
madrugada, com a luz do candeeiro da rua plantado a cinco metros da nossa
janela? Não pode!
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