Para Charles Darwin, a vergonha—a que chamava estranho
estado da mente—era um dos grandes mistérios da evolução por, aparentemente,
não oferecer nenhuma vantagem e, mesmo assim, resistir à selecção natural. Na
realidade, um estudo feito na década 70 do Século passado pelo psicólogo Jerome
Kagan, da Universidade de Harvard, mostrou que 10% a 15% das crianças nascem assim, amedrontando-se
com facilidade e comportando-se
socialmente de forma inapropriada, o que se acompanha de aumento da
frequência cardíaca e do cortisol no sangue.
Stephen Suomi, especialista americano em comportamento
animal, observou percentagens
semelhantes em macacos, também
com as alterações fisiológicas descritas por Kagan. E observou mais: a maior
parte das mães desses animais tinham registos semelhantes, a sugerir traço
hereditário no comportamento em análise.
Curiosamente, Suomi constatou outro facto que consistia
no seguinte: quando abria uma saída aos macacos em cativeiro, eram sobretudo os
não envergonhados que saiam; mas sofriam com frequência acidentes mortais daí
resultantes, como atropelamentos, quedas, afogamentos, etc. Darwin teria
gostado de saber isto porque, de certo modo, pode explicar porque a selecção
natural poupa os envergonhados. O comentário é anedótico, no sentido que os
anglo-saxónicos dão ao anedoctic, ou seja, com pouco valor por falta de significado
estatístico, mas é de anotar.
Naturalmente que, além da componente hereditária, outros
factores intervêm na vergonha, nomeadamente o meio social. O contacto com pares
sem vergonha diminui a vergonha, por exemplo. Certas comunidades são conhecidas
por isso; não só os políticos, mas também eles.
É certo que a vergonha pode constituir handicap
importante para um cidadão e isso é frequente. Deve ser combatida com meios
terapêuticos adequados, a bem do indivíduo e da sociedade. Mas convém não
exagerar porque a pouca vergonha, ou a total falta dela, constituem uma das
mais perigosas pandemias do nosso tempo—de Moscovo a S. Francisco, do Árctico à
Antárctica.
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