sexta-feira, 23 de maio de 2014

A VERGONHA E A FALTA DELA

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Para Charles Darwin, a vergonha—a que chamava estranho estado da mente—era um dos grandes mistérios da evolução por, aparentemente, não oferecer nenhuma vantagem e, mesmo assim, resistir à selecção natural. Na realidade, um estudo feito na década 70 do Século passado pelo psicólogo Jerome Kagan, da Universidade de Harvard, mostrou que 10% a  15% das crianças nascem assim, amedrontando-se com facilidade e comportando-se  socialmente de forma inapropriada, o que se acompanha de aumento da frequência cardíaca e do cortisol no sangue.
Stephen Suomi, especialista americano em comportamento animal, observou percentagens  semelhantes  em macacos, também com as alterações fisiológicas descritas por Kagan. E observou mais: a maior parte das mães desses animais tinham registos semelhantes, a sugerir traço hereditário no comportamento em análise.
Curiosamente, Suomi constatou outro facto que consistia no seguinte: quando abria uma saída aos macacos em cativeiro, eram sobretudo os não envergonhados que saiam; mas sofriam com frequência acidentes mortais daí resultantes, como atropelamentos, quedas, afogamentos, etc. Darwin teria gostado de saber isto porque, de certo modo, pode explicar porque a selecção natural poupa os envergonhados. O comentário é anedótico, no sentido que os anglo-saxónicos dão ao anedoctic, ou seja, com pouco valor por falta de significado estatístico, mas é de anotar.
Naturalmente que, além da componente hereditária, outros factores intervêm na vergonha, nomeadamente o meio social. O contacto com pares sem vergonha diminui a vergonha, por exemplo. Certas comunidades são conhecidas por isso; não só os políticos, mas também eles.
É certo que a vergonha pode constituir handicap importante para um cidadão e isso é frequente. Deve ser combatida com meios terapêuticos adequados, a bem do indivíduo e da sociedade. Mas convém não exagerar porque a pouca vergonha, ou a total falta dela, constituem uma das mais perigosas pandemias do nosso tempo—de Moscovo a S. Francisco, do Árctico à Antárctica.
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