domingo, 18 de maio de 2014

OS IRMÃOS PEIXES

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Peixes! Quanto mais longe dos homens, tanto melhor;


Sermão aos Peixes (Pe. António Vieira)


Referi em tempos que na França, com 60 e tal milhões de habitantes, há 60 e tal milhões de animais de companhia―relação 1/1. Depois, há os animais que não se pode ter em casa, como o leão, o gorila, o golfinho, o tubarão, mas que se vão ver e mostrar às crianças no zoo e nos aquários. O homem vive fascinado e apaixonado pelos seus irmãos zoológicos, é inegável. Porquê? Quem souber que responda.
Em minha opinião, o facto tem a ver com a descoberta das afinidades entre eles e nós, fenómeno particularmente claro na criança que se deslumbra com a ave a levar comida ao ninho onde se encontram os filhos ainda sem capacidade de voar, com a macaca a catar os piolhos do macaquinho, com a leoa a amamentar a cria, futuro e feroz predador. Estamos biologicamente integrados naquele mundo, é indiscutível, e descobrir isso deslumbra-nos.
O contacto com animais, sejam  domésticos ou selvagens, parece ser necessidade irresistível do Homo sapiens.  
Quando, em 1860, disseram à mulher do Bispo de Worcester que, segundo o evolucionismo, o homem era descendente do macaco, ela terá respondido: "Espero que não seja verdade; mas se é, o melhor é guardar reserva". Na realidade, a senhora era violentada por preconceitos religiosos e tinha uma pose contra naturam.
O filósofo alemão Walter Benjamin dizia, em 1928,  que o sentimento dominante no contacto do homem com os animais é o receio de ser reconhecido por eles como um par, porque qualquer coisa nos diz, inconscientemente, que somos. Não andava muito longe da mulher do Bispo!
A verdade é que a ligação do homem aos animais não é resultado de mera curiosidade. Embora seja violento dizê-lo, é mais familiaridade. Está expresso nas pinturas das Caves de Chauvet e em numerosas obras de arte posteriores. O poeta Rainer Maria Rilke, contratado como amanuense por Auguste Rodin em 1905, um dia queixou-se de falta de inspiração. Rodin disse-lhe: “Vai ao Zoo e observa animais”. “Quanto tempo”?―perguntou Rilke. “Observa-os até os veres: alguns meses devem ser suficientes”, disse-lhe Rodin. Rilke viria a produzir depois o que é considerado o seu melhor poema, “A Pantera”.
A natureza é complicada e temos dela a visão mais distorcida. Naturalmente, a observação dos animais dá-nos visão mais perfeita do que somos. E sabem porquê? Porque o seu comportamento não é desvirtuado por um cérebro anormal, quase doentio, capaz de descobrir o Big-Bang, a estrutura do ADN, ou o bosão de Higgs. É cruel dizê-lo, mas é a verdade.
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