sábado, 3 de maio de 2014

SANTO POR DECRETO

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João XXIII e João Paulo II foram canonizados no Domingo. Hoje, Anselmo Borges escreve no DN sobre isso. Fica claro que Anselmo Borges não concorda com canonizações—pelo menos da forma como são feitas. A última frase do seu artigo é esta: Também nisto, estou com a minha irmã, que diz: «Eu ligo pouco a estas coisas. Eu sou como o nosso pai que só rezava ao Nosso Senhor».
Para ser franco, nunca percebi como apareceu esta coisa de dizer, cá em baixo na terra, onde estão as almas dos que morreram. Quem tem fé, verdadeira e inteligente, não acha uma petulância dizer-se ao mundo que é ao Sumo Pontífice—usando palavras de Borges—que compete o direito de "decretar" se o servo de Deus em causa merece ou não ser proposto como exemplo e modelo para a devoção e imitação dos fiéis? O poder de "decretar" ou não "decretar" a qualidade de santo de cada um parece pouco compatível com a filosofia religiosa contida no cristianismo. Posso estar a ver mal mas, depois de ler Borges, não me acho só.
A folhas tantas, Borges escreve esta coisa inesperada para mim: "Foi por Celso Alcaina que soube do número de pessoas envolvidas numa canonização: uns 24 funcionários permanentes na Congregação para as Causas dos Santos, 14 advogados de defesa, 2 promotores da fé, 20 cardeais, 10 relatores, 228 postuladores adscritos, 70 consultores, muitos peritos em diferentes assuntos, vários notários. Pode-se, pois, imaginar as somas de dinheiro que esta parafernália burocrática custa, percebendo-se os perigos de discriminação em que ficam homens e mulheres verdadeiramente santos, pois levaram uma vida heróica, no cumprimento do dever e na entrega aos outros, mas que não têm suporte financeiro, publicitário, político. Pergunto sempre: porque é que não se canoniza o Padre Américo e tantos casais exemplares?" E, logo a seguir, cita o teólogo J. M. Castillo:  Num dos estudos mais fiáveis que se fizeram mostra-se que «de 1938 casos examinados de santos canonizados, 78% pertenceram à classe alta, 17% à classe média e só 5% à classe baixa».  Isto é—oficialmente, digo eu—há mais ricos santos que pobres santos—embora Cristo achasse que "é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus".
A burocratização de qualquer religião é o pior que pode acontecer-lhe. Temos por aí exemplos flagrantes e lamentáveis: a Cientologia, a Igreja Universal do Reino de Deus e por aí fora. Em minha opinião, Cristo não as aprovaria, embora não as "excomungasse", prática fora da sua mensagem. Fico sem saber que diria Cristo sobre 78% de canonizações de ricos, 17% de gente da classe média e só 5% de pobres. Mais: gostava de saber o que pensava Cristo sobre as canonizações!
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