Mal se soube que o
sr. Carlos do Carmo recebera o prémio de uma associação americana, surgiram as
reacções. Uma figura alegórica que passou pela secretaria de Estado da
"Cultura" e gosta de assinar petições em nome da dita correu a
afirmar que o sr. Carlos do Carmo é "um símbolo de tradição e inovação no
património do fado". Uma senhora que dirige um Museu do Fado falou em
"distinção" justa e "inédita no panorama nacional". António
Victorino d'Almeida lamentou que os artistas portugueses não sejam bem
tratados por cá, e consolou-se por serem "devidamente reconhecidos
internacionalmente". Um fadista avulso ficou contente porque é "amigo
do Carlos" e porque o Carlos "cria imagens com as palavras que
diz". O impagável António Costa não podia falhar os louvores: o prémio
"é um novo e decisivo contributo" para a internacionalização do fado
que "enche ainda mais de orgulho a cidade" de Lisboa. Por fim, o
próprio sr. Carlos do Carmo contou que, no telefonema em que o informaram do
prémio - "uma loucura" -, também foi informado de que é "um dos
seis melhores cantores vivos do mundo".
Entre tanta
excitação, ninguém se lembrou de explicar devagarinho que o prémio em questão é
um Grammy, ou, mais específica e ainda mais embaraçosamente, um Grammy latino.
Os Grammys normais, atribuídos pela indústria fonográfica dos EUA, possuem
dezenas de categorias e celebram centenas de músicos por ano, dos ocasionais
bons aos atrozes em abundância. Os Grammys latinos, decididos por uma
subdivisão daquela indústria, procedem de igual forma, com a agravante de que o
seu universo está limitado aos países de língua espanhola e, não faço ideia a
que título, portuguesa.
Se os Grammys a
sério são justamente considerados os galardões menos relevantes desde o III
Torneio de Futsal Juvenil do Bombarral, os Grammys latinos nem aos calcanhares
do Bombarralense chegam. Em cada cerimónia, resmas de brasileiros,
venezuelanos, dominicanos, colombianos e porto-riquenhos arrecadam distinções
tão prestigiantes quanto a de Melhor Disco de Música Ranchera e Melhor Disco de
Música Sertaneja. Prodígios como Enrique Iglésias, Shakira, Ricky Martin, Ivete
Sangalo e o duo Chitãozinho & Xororó já mereceram a honra que agora coube
ao sr. Carlos do Carmo.
Não se trata de
avaliar as qualidades artísticas do homem: trata-se de perceber que os Grammys
não atestam qualidade nenhuma. No máximo, atestam que inúmeros habitantes de um
país periférico não têm nenhuma noção do ridículo e, na sua quase terna
rusticidade, tomam as migalhas alheias por um banquete caseiro. Numa tentativa
de elevar o grau de pureza da patetice, houve até quem procurasse uma polémica
no facto de, ao contrário dos seus antecessores, Cavaco Silva não felicitar o
sr. Carlos do Carmo. Um chefe de Estado congratular alguém por um Grammy? Isso
sim, justificaria um prémio. Do Guiness Book, secção Rituais do Terceiro Mundo.
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Alberto Gonçalves in "Diário de Notícias"
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Pode consultar aqui a lista do "The Independent", com o universo dos vencedores deste ano, quase tão grande como a Via Láctea, onde nem se incluem os Gammys latinos.
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