Falávamos ontem da inovação como força motriz da economia
e dos factores seus condicionantes, entre os quais se destaca a ciência. É
indiscutível que sim, sobretudo na era recente, mas o facto não é tão líquido
como parece na primeira abordagem.
Francis Bacon foi dos primeiros a afirmar que os
inventores—ou inovadores—aplicavam o trabalho da ciência, mãe da inovação.
Muitos pensam o mesmo. A receita consistirá em despejar fundos públicos sobre a
investigação científica—porque ninguém mais o faz capazmente se o contribuinte não participa—e esperar pelo
parto de novas ideias na sociedade, verbi gratia na economia. Aliás, a matéria
está na ordem do dia no nosso abençoado País.
Na verdade, há muito boa gente a pensar não serem as
coisa exactamente assim. Dizem mesmo ser a ciência mais filha da inovação do que
mãe. Poucas das invenções que fizeram a revolução industrial estavam
relacionadas com teorias científicas da época. Dos quatro homens que mais
avanços imprimiram à máquina a vapor—Newcomen, Trevithick, Stephenson e Watt—três eram completamente
ignorantes em matéria científica. E ainda se discute se Watt teria alguma "inspiração"
científica.
Muitas vezes, a ciência contribui, isso sim, para o
apuramento da invenção e para a sua melhoria e compreensão. Quando se explicou a física da transmissão
eléctrica, o telégrafo pôde ser aperfeiçoado;
ao compreender a sucessão de estratos geológicos, os mineiros do carvão
puderam abrir novas e mais rentáveis minas; o conhecimento da estrutura do anel
benzénico permitiu aos industriais "desenhar" novas tintas, em vez de
as descobrir por acaso, e por aí fora. Também
no Século XX há muita tecnologia que deve pouco às universidades e institutos
de investigação—por exemplo, o voo em aeronaves mais pesadas que o ar, o
telemóvel, o software.
Na área das ciências biológicas, a Aspirina tratou milhões de dores de cabeça
sem se conhecer o mecanismo de acção; a penicilina, descoberta por serendipidade, matou milhões de
biliões de bactérias sem se saber como o fazia (antes delas começarem a
resistir-lhe); os sumos da laranja e do limão
trataram incontáveis casos de escorbuto antes da descoberta da vitamina C; e
rebabá...
Pelo exposto não se deduza que se advoga a secundarização
da ciência no progresso humano. Em boa verdade, é essencial. Mas, como já um
dia referi neste espaço, os grandes progressos científicos ou tecnológicos correspondem à subida de degraus.
No intervalo destes há planos, ou pisos da escada. O génio sobe os degraus. Os
pisos são o palco de multidões de investigadores científicos que fazem o trabalho da
formiga. Higgs previu e descreveu uma partícula que não se conhecia—o génio subiu
o degrau. Milhares de pessoas estimáveis encontraram a partícula responsável pela massa dos corpos no acelerador
de partículas do CERN em Genebra—avançaram no piso da escada. Higgs era cientista, mas o génio não tem de o ser necessariamente. Mostra a História que muitas vezes não foi.
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