(04-01-2014)
Confesso não morrer de amores pelos bichos chamados
engraçadinhos, ou melhor, não os levar muito em conta: porque a verdade é que
amo todos os bichos em geral; nem pelos demasiado relutantes ou
maníaco-depressivos, tais os veados, os perus e as galinhas-d'angola. Mas olhai
uma galinha qualquer ciscando num campo, ou em seu galinheiro: que feminilidade
autêntica, que espírito prático e, sobretudo, que saúde moral! Eis ali um bicho
que, na realidade, ama o seu clã; vive com um fundo sentimento de permanência,
malgrado a espada de Dâmocles que lhe pesa permanentemente sobre a cabeça, ou
por outra, o pescoço; e reluta pouco nas coisas do amor fisico. Soubessem as
mulheres imitá-las e estou certo viveriam bem mais felizes. E põem ovos! Já
pensastes, apressado leitor, no que seja um ovo: e quando ovo se diz, só pode
ser de galinha! É misterioso, útil e belo. Batido, cresce e se transforma em
omelete, em bolo. Frito, é a imagem mesma do sol poente: e que gostoso! Pois
são elas, leitor, são as galinhas que dão ovos e—há que convir—em enormes
quantidades. E a normalidade com que praticam o amor?... A natureza poligâmica
do macho, que é aparentemente uma lei da Criação, como é bem aceita por essa
classe de fêmeas! Elas se entregam com a maior simplicidade, sem nunca se
perder em lucubrações inúteis, dramas de consciência irrelevantes ou
utilitarismos sórdidos, como acontece no mundo dos homens. E tampouco lhes
falta lirismo ou beleza, pois muito poéticas põem-se, no entardecer, a
cacarejar docemente em seus poleiros; e são belas, inexcedivelmente belas
durante a maternidade.
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Vinicius de Moraes in "Do Amor aos Bichos"
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