Eça de Queirós é o maior prosador português conhecido. Além de esclarecido pensador e crítico social sem par, possuia o estilo capaz de seduzir mesmo que escrevesse banalidades. Por isso a sua escrita se lê e relê com agrado, até memorizarmos trechos inteiros.
As crónicas são, em minha opinião, as melhores peças, destacando-se as “Cartas de Inglaterra” e “A Correspondência de Fradique Mendes”. É deste último livro a passagem transcrita a seguir.
Todos nós hoje nos desabituamos, ou antes nos desembaraçamos alegremente, do penoso trabalho de verificar. É com impressões fluídas que formamos as nossas maciças conclusões. Para julgar em Política o facto mais complexo, largamente nos contentamos com um boato, mal escutado a uma esquina, numa manhã de vento. Para apreciar em Literatura o livro mais profundo, atulhado de ideias novas, que o amor de extensos anos fortemente encadeou—apenas nos basta folhear aqui e além uma página, através do fumo escurecedor do charuto. Principalmente para condenar, a nossa ligeireza é fulminante. Com que soberana facilidade declaramos—«Este é uma besta! Aquele é um maroto!» Para proclamar—«É um génio!» ou «É um santo!» oferecemos uma resistência mais considerada. Mas ainda assim, quando uma boa digestão ou a macia luz dum céu de Maio nos inclinam à benevolência, também concedemos bizarramente, e só com lançar um olhar distraído sobre o eleito, a coroa ou a auréola, e aí empurramos para a popularidade um maganão enfeitado de louros ou nimbado de raios. Assim passamos o nosso bendito dia a estampar rótulos definitivos no dorso dos homens e das coisas. Não há acção individual ou colectiva, personalidade ou obra humana, sobre que não estejamos prontos a promulgar rotundamente uma opinião bojuda E a opinião tem sempre, e apenas, por base aquele pequenino lado do facto, do homem, da obra, que perpassou num relance ante os nossos olhos escorregadios e fortuitos. Por um gesto julgamos um carácter: por um carácter avaliamos um povo.
Melhor forma de o dizer não conheço. Sou suspeito porque sou o fã número um do escritor. Mas digo-o mesmo sem uma boa digestão ou a macia luz dum céu de Maio me inclinarem à benevolência.
.
terça-feira, 6 de abril de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário