«D. Diniz foi um avaro. Afonso IV um homem de juízo, Pedro I um doido com intervalos lúcidos de justiça e economia.» Assim A. Herculano caracteriza os três monarcas, a quem já fora concedido reinar sobre Portugal integralmente constituído, dentro dos limites das suas fronteiras actuais. Mas que eram então um rei e um reino?
Errada ideia formará dessas épocas aquele que não puder
desprender-se das impressões resultantes de períodos mais próximos de nós. Foi
só desde o Século XV que o
desenvolvimento das nações peninsulares permitiu aos réis começarem a ter
consciência do carácter jurídico-social do seu cargo. Até ao Século XIV, os Estados peninsulares,
ou—limitando-nos agora ao campo exclusivo das nossas observações—Portugal, não
merece propriamente o nome de nação, se a este vocábulo dermos o valor moderno.
As comparações ilustram superiormente a História: e em nossos dias temos
exemplos de semelhança quase absoluta. Esses principados eslavos, onde a
ocupação da Turquia jamais deixou de encontrar resistências, são como foram a Espanha.
O Montenegro reproduz as tradições das Astúrias, ninho dos bandidos de Pelayo; a Sérvia ou a Herzegovina, em cujas campinas,
avassaladas pelo turco, as quadrilhas dos indómitos montanheses vêm periodicamente
fazer as suas razias, são como foi Portugal. A História repete-se ainda na
independência final, ganha pela irradiação do foco de resistência invencível.
Regiões fadadas a tal existência não podem ser
propriamente nações: não atingiram esse momento de existência colectiva, não
saíram dos períodos preparatórios da organização. O processo tem, neste caso,
dois graus característicos. Primeiro aparece o bando, depois a família. O rei é
o chefe dos bandidos, antes de ser o protector, o pai, dos seus súbditos. Se a
guerra é antes um sistema de rapinas do que uma sucessão de campanhas, a
justiça é também mais a expressão arbitrária de um instinto, do que a aplicação
regular de um princípio. A sociedade que se desenvolve de um modo espontâneo, à
lei da natureza, vai sucessivamente definindo as ideias colectivas, à maneira
que progride na série das formas evolutivas do seu organismo. [...]
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Oliveira Martins in "História de Portugal"
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