O tordo comum reveste o ninho com lama, o pisco com pelos e o tentilhão com penas. Sempre fizeram assim e ninguém lhes ensinou. A capacidade é inata.
Aos hominídeos do Paleolítico ninguém ensinou a andar
sobre dois membros, a rir, a mastigar, a amamentar. São capacidades inatas,
como as do tordo, do pisco e do tentilhão,
algo que se aprende com a prática, pela imitação, e nunca mais se esquece.
Richard Dawkins chamou a este fenómeno fenótipo alargado porque, sem estar
directamente inscrito nos cromossomas (genótipo), ocorre como estivesse—em todas as espécies.
Para o homem do Paleolítico, fazer machados de mão era a
mesma coisa—como andar, ou rir. Há cerca
de dois milhões de anos, o homem tornara-se
mais carnívoro. Com dentes fracos e sem garras, precisava de ferramenta
apropriada para cortar a pele e a carne das presas. Usando-a, podia inclusivamente lidar com elefantes e rinocerontes. Os machados biface surgiram
neste contexto—a sua fabricação passou a fazer parte do fenótipo alargado.
A dieta rica em proteínas permitiu desenvolver um cérebro
maior, órgão que queima calorias mais rapidamente que o resto do corpo. Os
grandes estômagos, necessários aos herbívoros, diminuíram de volume,
substituídos por outros mais pequenos—a carne na dieta deu lugar a estômago menor e ao aumento do cérebro. Enquanto os outros primatas têm estômagos que
pesam quatro vezes mais que o cérebro, o cérebro humano pesa mais que todo o intestino.
Actualmente, não fazemos machados biface, mas este é o
símbolo do nosso fenótipo alargado, constituído por coisas como andar de bicicleta,
nadar, conduzir automóveis, ou escrever relatórios em processadores de texto.
No futuro, muitas das capacidades do actual fenótipo alargado desaparecerão;
mas outras virão, cada vez mais elaboradas. Daqui a mil anos, tal como agora não
fazemos machados biface, ninguém usará um teclado digital—a escrita surgirá,
por exemplo, a partir do reconhecimento da voz. Uma coisa é certa: se é progresso
ou não, ignoramos; mas resultará, com certeza, na modificação do homem.
Darwin chamava a isso evolução natural.
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