Dedicado ao MyiArts, aqui vai o excerto de um texto que
não digo de onde foi tirado.
[...] Hoje em dia há pessoas que acham que a vida era melhor no
passado. Defendem que existia não apenas certa simplicidade, tranquilidade,
sociabilidade e espiritualidade na vida do passado recente que se perdeu, como
se perdeu também pureza. Esta nostalgia cor-de-rosa, note-se, está em geral confinada aos ricos. É muito
mais fácil criar versos elegíacos sobre a vida de um camponês quando não se tem
de usar uma casa de banho exterior. Imagine-se que estamos em 1800, algures na
Europa Ocidental ou no Leste da América do Norte. A família reúne-se em redor
da lareira na casa simples de madeira. O pai lê a Bíblia em voz alta, enquanto
a mãe prepara um estufado de carne e cebolas. O bebé é embalado por uma das
irmãs e o filho mais velho deita água de um jarro nas canecas de barro sobre a
mesa. A irmã mais velha dá de comer
ao cavalo, no estábulo. No exterior não se ouve o barulho do trânsito, não há
traficantes de droga, nem foram encontradas dioxinas, nem poeiras radioactivas
no leite de vaca. Tudo está tranquilo; um pássaro canta do lado de fora da janela.
Sejamos honestos! Embora se trate de uma das famílias
mais abastadas da aldeia, a leitura das Escrituras é interrompida por uma tosse
brônquica, presságio da pneumonia que o matará aos 53 anos—e o fumo da madeira
que arde na lareira não ajuda. (Ele tem
sorte: a esperança de vida, mesmo em Inglaterra, era inferior a 40 anos, em
1800). O bebé será vítima da varíola que agora o faz chorar; a sua irmão
tornar-se-á o bem móvel de um marido bêbedo. A água que o rapaz deita nas
canecas sabe às vacas que bebem no regato. Uma dor de dentes tortura a mãe. O inquilino
do vizinho está a engravidar a outra rapariga no celeiro e o bebé daí
resultante será enviado para o orfanato.
O estufado é cinzento e cartilaginoso, contudo a carne é
uma rara excepção às refeições de papas de aveia; nesta altura não há fruta nem
vegetais. O estufado é comido numa tigela de madeira com uma colher de madeira.
As velas são muito caras, por isso a luz da lareira é tudo que lhes permite
ver. Nenhum elemento da família assistiu alguma vez a uma peça de teatro, pintou um
quadro ou ouviu um piano. A educação consiste em alguns anos de latim ensinado
por uma figura excessivamente autoritária do vicariato. Rebabá...
Agora acrescento eu: nessa altura, nem calçada portuguesa
havia, mas é muito "in" defendê-la, especialmente para quem anda de popó e não tem de torcer tornozelos caminhando sobre a "cultura portuguesa".
.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário