[...] À primeira vista, o maior problema da família Tordo
não é a falta de dinheiro: é a falta de noção de privacidade, a falta de noção
da sua insignificância. O problema da família Tordo é, afinal, o problema de
incontáveis artistas caseiros, com e sem aspas: a lata. Dado que Fernando Tordo
gosta de "cartas-abertas", cá segue outra.
Caro senhor (que não tenho o prazer de conhecer), emigrar
não é um drama obrigatório. É uma decisão pessoal que, por definição, convém
mantê-la assim ou limitá-la a círculos restritos. E se não é proibido
espalhá-la aos ventos, é ridículo apresentarmo-nos ao público enquanto exemplo
de sofrimento. Principalmente se o sofrimento é bastante relativo. É que também
não é proibido que o público ache o exercício pretensioso e responda em
conformidade. Além disso, já se sabe que quem abusa do acesso aos media arrisca-se
a levar com os media em cima. Era escusado
provocar a manchete do jornal i, que divulgou os 200 mil
euros amealhados desde 2008 pela empresa que o senhor possui - só em concertos
encomendados pelo Estado, com as autarquias à cabeça. Para quem se queixa dos
"agentes públicos que desprezam as Artes (com maiúscula)", não está
mal. Para quem insiste na relevância da Arte que produz, está péssimo: não
haverá multidões ansiosas por encher auditórios de modo a assistir, sem
patrocínios camarários, à enésima interpretação de Tourada? Pelos vistos, não.
Por isso, o senhor rumou ao Brasil, onde decerto o aguardavam impacientes. E,
ao que li, regressa em Abril. O senhor é um emigrante breve, mas o tempo que
nos rouba já vai longo.
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Alberto Gonçalves in "Diário de Notícias"
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