Uma das mais marcantes características das raças
domesticadas é que vemos nelas uma adaptação, não verdadeiramente no interesse
do animal ou da planta, mas para uso ou satisfação do homem.
Charles Darwin
***
A selecção genética de plantas e animais domésticos começou
praticamente com a transição da actividade caçadora-recolectora para a
agricultura e a pastorícia. Conheceu várias fases mais ou menos pacíficas mas,
a última—caracterizada pela manipulação
genética das espécies em laboratório—é fruto de todas as guerras ideológicas,
sociais, políticas e económicas. Os
alimentos geneticamente modificados por técnica laboratorial mereceram mesmo a
designação de Fankenfoods, neologismo composto por Frankenstein +
foods (alimentos) criado por um professor de inglês de Boston. Em boa verdade,
há na matéria em causa muita paixão e pouca razão. É frequente ser-se a favor
ou contra pela mesma razão que se é do Benfica ou do Sporting. Recorde-se que
discussões semelhantes, embora menos acaloradas, ocorreram, para usar só um exemplo, quando
da introdução de fertilizantes sintéticos na agricultura e não morreu ninguém
por causa deles, mas morreram alguns nas disputas em volta deles.
Vem isto a propósito do último episódio da novela em
apreço resumida ontem no jornal "The Independent". Patrick Moore, ecologista
canadiano e ex-mentor da "Greenpeace" na sua fundação em 1971, pôs a
boca no trombone e veio dizer que a organização tem as mãos sujas com o sangue
de milhões de vítimas mortais de carência de vitamina A por combater a
introdução, em muitas áreas geográficas, do chamado "arroz dourado"
(golden rice), produto transgénico capaz de sintetizar beta-caroteno, percursor
daquela vitamina.
A avitaminose A, produz cegueira e mata milhões no mundo
menos desenvolvido, com alimentação à base de arroz. Segundo a UNICEF, dos oito
milhões de crianças mortas prematuramente por ano no mundo—com malária, tuberculosa,
SIDA e outras doenças—um quarto—dois milhões—sucumbe vítima da carência de
vitamina A.
O "arroz dourado" podia ser solução para a
calamidade, mas as guerras ambientalistas impedem-no. Deve ser forte a razão deles,
digo eu. Segundo a Greenpeace, a administração de vitamina A e a introdução de
outros vegetais na dieta resolve o
problema. Não tenho a mínima razão para contestar a afirmação. O problema é que
tal solução é teórica e, até se tornar um facto, muitos milhões de crianças vão
ainda morrer. É necessário mudar hábitos, culturas, economias, informação,
crenças religiosas até. A introdução de
outro arroz na agricultura não exige mais nada que isso e resolve de imediato e
melhor ainda o drama.
Porquê a hostilidade com o" arroz dourado"? Não
estou em condições de responder, mas suspeito. A aceitação será considerada o
estabelecimento duma testa de ponte na comercialização dos alimentos
transgénicos—manobra manhosa do grande capital. Admito que sim porque conheço o
grande capital e a sua ética não é famosa.
Mas a grande força contra os transgénicos parece depender
de causas pouco claras. O mundo está a ficar assustado com tanta engenharia,
traduzida em cidades monstruosas, auto-estradas por todo o lado, centros
comerciais gigantes, mais de três mil milhões de passageiros transportados de
avião em 2013, barragens hidro-eléctricas enormes, superpetroleiros que poluem o oceano,
rebabá, e acha que já chega de engenharia—Mais engenharia (genética) na
alimentação? Não, muito obrigado. A engenharia não é "natural", prontes!
A isto soma-se a opinião de gente ilustre que não sabendo muito do assunto em análise, é ilustre mesmo assim, como o Príncipe Carlos de
Inglaterra: As novas técnicas de apuramento dos vegetais é perigosa e
contra a vontade de Deus!
Ficámos esclarecidos. Não digas mais Carlinhos.
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