sábado, 1 de fevereiro de 2014

ARROZ DOURADO

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Uma das mais marcantes características das raças domesticadas é que vemos nelas uma adaptação, não verdadeiramente no interesse do animal ou da planta, mas para uso ou satisfação do homem.

Charles Darwin
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A selecção genética de plantas e animais domésticos começou praticamente com a transição da actividade caçadora-recolectora para a agricultura e a pastorícia. Conheceu várias fases mais ou menos pacíficas mas, a última—caracterizada pela  manipulação genética das espécies em laboratório—é fruto de todas as guerras ideológicas, sociais, políticas  e económicas. Os alimentos geneticamente modificados por técnica laboratorial mereceram mesmo a designação de Fankenfoods, neologismo composto por Frankenstein + foods (alimentos) criado por um professor de inglês de Boston. Em boa verdade, há na matéria em causa muita paixão e pouca razão. É frequente ser-se a favor ou contra pela mesma razão que se é do Benfica ou do Sporting. Recorde-se que discussões semelhantes, embora menos acaloradas, ocorreram, para usar só um  exemplo, quando da introdução de fertilizantes sintéticos na agricultura e não morreu ninguém por causa deles, mas morreram alguns nas disputas em volta deles.
Vem isto a propósito do último episódio da novela em apreço resumida ontem no jornal "The Independent". Patrick Moore, ecologista canadiano e ex-mentor da "Greenpeace" na sua fundação em 1971, pôs a boca no trombone e veio dizer que a organização tem as mãos sujas com o sangue de milhões de vítimas mortais de carência de vitamina A por combater a introdução, em muitas áreas geográficas, do chamado "arroz dourado" (golden rice), produto transgénico capaz de sintetizar beta-caroteno, percursor daquela vitamina.
A avitaminose A, produz cegueira e mata milhões no mundo menos desenvolvido, com alimentação à base de arroz. Segundo a UNICEF, dos oito milhões de crianças mortas prematuramente por ano no mundo—com malária, tuberculosa, SIDA e outras doenças—um quarto—dois milhões—sucumbe vítima da carência de vitamina A.
O "arroz dourado" podia ser solução para a calamidade, mas as guerras ambientalistas impedem-no. Deve ser forte a razão deles, digo eu. Segundo a Greenpeace, a administração de vitamina A e a introdução de outros vegetais  na dieta resolve o problema. Não tenho a mínima razão para contestar a afirmação. O problema é que tal solução é teórica e, até se tornar um facto, muitos milhões de crianças vão ainda morrer. É necessário mudar hábitos, culturas, economias, informação, crenças religiosas até. A introdução de outro arroz na agricultura não exige mais nada que isso e resolve de imediato e melhor ainda o drama.
Porquê a hostilidade com o" arroz dourado"? Não estou em condições de responder, mas suspeito. A aceitação será considerada o estabelecimento duma testa de ponte na comercialização dos alimentos transgénicos—manobra manhosa do grande capital. Admito que sim porque conheço o grande capital e a sua ética não é famosa.
Mas a grande força contra os transgénicos parece depender de causas pouco claras. O mundo está a ficar assustado com tanta engenharia, traduzida em cidades monstruosas, auto-estradas por todo o lado, centros comerciais gigantes, mais de três mil milhões de passageiros transportados de avião em 2013, barragens hidro-eléctricas enormes, superpetroleiros que poluem o oceano, rebabá, e acha que já chega de engenharia—Mais engenharia (genética) na alimentação? Não, muito obrigado. A engenharia não é "natural", prontes!
A isto soma-se a opinião de gente ilustre que não sabendo muito do assunto em análise, é ilustre mesmo assim, como o Príncipe Carlos de Inglaterra: As novas técnicas de apuramento dos vegetais é perigosa e contra a vontade de Deus!
Ficámos esclarecidos. Não digas mais Carlinhos.
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