sábado, 1 de junho de 2013

O LIVRO DO LEVÍTICO

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Falava ontem do dilema de Eutífron e da teoria do comando* divino relativamente ao que é moral e imoral—é a moral um preceito religioso, ou existe moral sem religião; ou melhor, são as coisas boas porque Deus gosta delas, ou Deus gosta delas porque são boas?
Lendo mais umas linhas, encontro dificuldades adicionais no tema. Os textos religiosos serão o principal meio de Deus dar a conhecer a sua vontade e para quem defende o comando divino como fonte da ética, é deles que resulta o conhecimento do que é bom e mau. Mas há vários exemplos de aparentes contradições em textos sagrados, difíceis de explicar.
Por exemplo, leio que no Livro do Levítico se diz aproximadamente  o seguinte: "Se um homem se deitar com outro homem como se deita com uma mulher, ambos praticaram um acto repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a mor­te" (nunca li o Livro do Levítico e estou a transcrever, conforme um texto de Ben Dupré, professor de Oxford, em princípio credível). E acrescenta este autor: "Sendo a Bíblia a palavra de Deus, e definindo a palavra de Deus o que é bom e mau, a execução de homossexuais activos seria moralmente justificada, em contradição com o sentimento  universal actual, e até com o mandamento bíblico de que "não matarás". Segundo suponho, esta matéria tem sido objecto de discussões sobre a tradução da Bíblia e outras filigranas linguísticas, mas o essencial do problema mantém-se.  Exemplos equivalentes podem ser encontrados noutros textos sagrados, o que não é bom para as religiões.
O problema da teoria do comando divino da moral é que, na ausência de crença religiosa, é fácil esvaziar a ética. Não se vê inconveniente em que esta seja moldada por religiões; mas é perigoso que decorra exclusivamente delas.

*Ignoro se "comando" é o termo certo em português, mas serve para o efeito pretendido.
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