Falava ontem do dilema de Eutífron e da teoria do comando*
divino relativamente ao que é moral e imoral—é a moral um preceito religioso,
ou existe moral sem religião; ou melhor, são as coisas boas porque Deus gosta delas, ou
Deus gosta delas porque são boas?
Lendo mais umas linhas, encontro dificuldades adicionais
no tema. Os textos religiosos serão o
principal meio de Deus dar a conhecer a sua vontade e para quem defende o
comando divino como fonte da ética, é deles que resulta o conhecimento do que é
bom e mau. Mas há vários exemplos de aparentes contradições em textos sagrados, difíceis de
explicar.
Por exemplo, leio que no Livro do Levítico se diz aproximadamente o seguinte: "Se um homem se deitar com outro homem como se deita com uma mulher,
ambos praticaram um acto repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a
morte" (nunca li o Livro do Levítico e estou a transcrever, conforme um texto
de Ben Dupré, professor de Oxford, em princípio credível). E acrescenta este autor: "Sendo a Bíblia a palavra de Deus, e definindo a palavra de Deus o
que é bom e mau, a execução de homossexuais activos seria moralmente
justificada, em contradição com o sentimento
universal actual, e até com o mandamento bíblico de que "não matarás".
Segundo suponho, esta matéria tem sido objecto de discussões sobre a tradução
da Bíblia e outras filigranas linguísticas, mas o essencial do problema
mantém-se. Exemplos equivalentes podem
ser encontrados noutros textos sagrados, o que não é bom para as religiões.
O problema da teoria do comando divino da moral é que, na
ausência de crença religiosa, é fácil esvaziar a ética. Não se vê inconveniente
em que esta seja moldada por religiões; mas é perigoso que decorra exclusivamente
delas.
*Ignoro se "comando" é o termo certo em
português, mas serve para o efeito pretendido.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário