sábado, 1 de junho de 2013

UMA QUESTÃO DE DECÊNCIA

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Pacheco Pereira é uma figura rebarbativa que não faz muito o meu género. Intelectualmente superior, insere-se tal intelecto numa personalidade que é "do contra" por sistema e desagradável por vocação. Não posso, contudo, estar em desacordo com ele por princípio daí decorrente, sob pena de enfermar do mesmo mal.
Pacheco Pereira escreveu uma carta ao Dr. Soares, a propósito da reunião paralítica contra o actual governo, realizada uma destas noites na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa. Nela diz coisas boas e menos boas, em minha opinião; mas vale a pena lê-la. O essencial vai transcrito a seguiro resto é  "palha".

[...] O que está a acontecer em Portugal é a conjugação da herança de uma governação desleixada e aventureira, arrogante e despesista, que nos conduziu às portas da bancarrota, com a exploração dos efeitos dessa política para implementar um programa de engenharia cultural, social e política, que faz dos portugueses ratos de laboratório de meia dúzia de ideias feitas que passam por ser ideologia.
Tudo isto associado a um desprezo por Portugal e pelos portugueses de carne e osso, que existem e que não encaixam nos paradigmas de “modernidade” lampeira, feita de muita ignorância e incompetência, a que acresce um sentimento de impunidade feito de carreiras políticas intrapartidárias, conhecendo todos os favores, trocas, submissões, conspirações e intrigas de que se faz uma carreira profissionalizada num partido político em que tudo se combina e em que tudo assenta no poder interno e no controlo do aparelho partidário.
Durante dois anos, o actual Governo usou a oportunidade do memorando para ajustar contas com o passado, como se, desde que acabou o ouro do Brasil, a pátria estivesse à espera dos seus novos salvadores que, em nome do "ajustamento" do défice e da dívida, iriam punir os portugueses pelos seus maus hábitos de terem direitos, salários, empregos, pensões e, acima de tudo, de terem melhorado a sua condição de vida nos últimos anos, à custa do seu trabalho e do seu esforço.
O "ajustamento" é apenas o empobrecimento, feito na desigualdade, atingindo somente "os de baixo", poupando a elite político-financeira, atirando milhares para o desemprego, entendido como um dano colateral não só inevitável como bem-vindo para corrigir o mercado de trabalho, "flexibilizar” a mão-de-obra, baixar os salários. Para um social-democrata, poucas coisas mais ofensivas existem do que esta desvalorização da dignidade do trabalho, tratado como uma culpa e um custo, não como uma condição, um direito e um valor.
Vieram para punir os portugueses por aquilo que consideram ser o mau hábito de viver "acima das suas posses", numa arrogância política que agravou consideravelmente a crise que tinham herdado e que deu cabo da vida de centenas de milhares de pessoas, que estão, em 2013, muitas a meio da sua vida, outras no fim, outras no princípio, sem presente e sem futuro.
Para o conseguir, desenvolveram um discurso de divisão dos portugueses que é um verdadeiro discurso de guerra civil, inaceitável em democracia, cujos efeitos de envenenamento das relações entre os portugueses permanecerão muito para além desta fátua experiência governativa. Numa altura em que o empobrecimento favorece a inveja e o isolamento social, em que muitos portugueses têm vergonha da vida que estão a ter, em que a perda de sentido colectivo e patriótico leva ao salve-se quem puder, em que se colocam novos contra velhos, empregados contra desempregados, trabalhadores do sector privado contra os funcionários públicos, contribuintes da segurança social contra os reformados e pensionistas, pobres contra remediados, permitir esta divisão é um crime contra Portugal como comunidade, para a nossa Pátria. Este discurso deixará marcas profundas e estragos que demorarão muito tempo a recompor. [...]

 [...] Precisamos de ajudar a restaurar na vida pública um sentido de decência que nos una e mobilize. Na verdade, não é preciso ir muito longe na escolha de termos, nem complicar os programas, nem intenções. Os portugueses sabem muito bem o que isso significa. A decência basta.   
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(Com colaboração de António-Pedro Fonseca e J. Castro Brito)
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