domingo, 16 de dezembro de 2012

A FÉ DESENTOPE AS ARTÉRIAS

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Ah, meus amigos, não vos deixeis morrer assim... O ano que passou levou tantos de vós e agora os que restam se puseram mais tristes; deixam-se, por vezes, pensativos, os olhos perdidos em ontem, lembrando os ingratos, os ecos de sua passagem; lembrando que irão morrer também e cometer a mesma ingratidão.
Ide ver vossos clínicos, vossos analistas, vossos macumbeiros, e tomai sol, tomai vento, tomai tento, amigos meus! - porque a Velha andou solta este último Bissexto e daqui a quatro anos sobrevirá mais um no Tempo e alguns dentre vós - eu próprio, quem sabe? - de tanto pensar na Última Viagem já estarão preparando os biscoitos para ela.
Eu me havia prometido não entrar este ano em curso - quando se comemora o 1964º aniversário de um judeu que acreditava na Igualdade e na justiça - de humor macabro ou ânimo pessimista. Anda tão coriácea esta República, tão difícil a vida, tão caros os gêneros, tão barato o amor que - pombas! - não há de ser a mim que hão de chamar ave de agouro. Eu creio, malgrado tudo, na vida generosa que está por aí; creio no amor e na amizade; nas mulheres em geral e na minha em particular; nas árvores ao sol e no canto da juriti; no uísque legítimo e na eficácia da aspirina contra os resfriados comuns. Sou um crente - e por que não o ser? A fé desentope as artérias; a descrença é que dá câncer. [...]
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Vinicius de Moraes in "Amigos Meus"

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